Do que é feito um ícone? No esporte, arena em que nosso Homem do Ano se consagrou, a resposta mais óbvia seria: um ícone é feito de vitórias. Mas ser vitorioso não basta. Afinal, quantos atletas laureados o Brasil já teve e quantos mereceram ser chamados de ícones? Ayrton Senna? Pelé? Ronaldo? Guga? Talvez sua lista tenha alguns nomes a mais, talvez alguns a menos, mas certamente será breve por uma razão simples: poucos grandes atletas são, também, grandes homens.
“O principal motivo é a falta de desenvolvimento para formar esse tipo de atleta que transborda, que tem talento, entrega resultados, mas também entende a dimensão de ser um protagonista. É inconsequente esperar de um menino de 20 anos um comportamento exemplar se só o treinamos fisicamente. É preciso preparação física, intelectual, moral, ética, social”, diz Guga.
Talvez entre os fãs do esporte Gustavo Kuerten seja lembrado principalmente por seus feitos dentro de quadra: o tricampeonato em Roland Garros, em 1997, 2000 e 2001; a permanência no topo do ranking mundial por 43 semanas consecutivas, entre 2000 e 2001, e a vitória inédita sobre Andre Agassi e Pete Sampras no mesmo torneio. Mas foram seus atributos morais que encantaram o país do futebol a ponto de fazê-lo parar em frente à televisão durante uma final de Grand Slam. Foi o coração desenhado no saibro de Roland Garros com a raquete que aproximou o – ainda novo – torcedor brasileiro de tênis. Foi seu choro incontrolável e suas declarações emocionadas que o transformaram em um ídolo possível, humano, e mais tarde em um labrador.

Sim, um labrador. Você já deve ter visto na televisão uma peça publicitária sobre um app de gentileza no trânsito que deixa você “mais queridão” ao volante. Para ilustrar quão amável o usuário pode ficar, o motorista se transforma em um hare krishna, um hippie e então no Guga que, na peça, só é menos querido que um cachorro labrador. O nosso labrador humano, apelido que ganhou em 2006 e pegou.
“A relação do brasileiro é com o resultado, não com o esporte. Isso é cruel, desumaniza o atleta, se ele ganha é endeusado, se perde é execrado. O atleta precisa voltar para um ciclo mais normal de existência. Senão, a vida vai te deslocando para um caminho fictício, superficial e finito”, diz Guga sobre esse seu lado emotivo. Para não correr o risco de cair no tal caminho fictício do sucesso, ele criou, em 2000, o Instituto Gustavo Kuerten. O Instituto tem duas bandeiras principais: atendimento a crianças carentes por meio de clínicas de esporte e reforço escolar e apoio a deficientes físicos (tema caro à família, já que o irmão mais novo de Guga teve paralisia cerebral severa e morreu em 2007). “Eles (as crianças) vêm certos e bons. E se estamos nesse momento de insegurança e incerteza é porque nós, como sociedade, estamos fazendo algo errado. Dizemos a eles que para sobreviver têm que se envergar e depois reclamamos que fiquem tortos. Tenho convicção de que fui privilegiado, tive condições que poucos têm sem precisar fazer muito além de me dedicar à minha missão. Isso me dá a certeza de que o mínimo que eu posso fazer é atender essas 700 crianças no Instituto cada vez melhor”. Aí está a resposta: disso é feito um ícone.